sexta-feira, junho 26, 2015

"Fragmentados", novo lançamento da Novo Conceito

Olá Obcecados, como estão? 

Com as férias chegando, todos sabemos o quanto é bom parar um pouco para descansar da correria do dia-a-dia, essa loucura que é escola, faculdade e trabalho. E uma das melhores formas de descansar tanto o corpo quanto a mente e que nos dá um prazer imenso, é ler um bom livro, não é? Então, pensando nisso, vim trazer hoje para vocês um dos próximos lançamentos da maravilhosa Editora Novo Conceito. O livro tem sido bastante comentado nas redes sociais e promete ser uma distopia de primeira.

Já ouviu falar de "Fragmentados", o novo livro de Neal Shusterman? Ainda não? Então não se desanime, continue lendo e verá qual é uma das maiores apostas da editora para o mês de Julho

Sinopse: Em uma sociedade em que os jovens rejeitados são destinados a terem seus corpos reduzidos a pedaços, três fugitivos lutam contra o sistema que os fragmentaria .
Unidos pelo acaso e pelo desespero, esses improváveis companheiros fazem uma alucinante viagem pelo país, conscientes de que suas vidas estão em jogo. Se conseguirem sobreviver até completarem 18 anos, estarão salvos. No entanto, quando cada parte de seus corpos desde as mãos até o coração é caçada por um mundo ensandecido, 18 anos parece muito, muito longe.
O vencedor do Boston Globe-Horn Book Award, Neal Shusterman, desafia as ideias dos leitores sobre a vida: não apenas sobre onde ela começa e termina, mas sobre o que realmente significa estar vivo.


Além de um trecho do início do livro, a editora liberou também um book trailer contando sobre a nova regra implantada, a "Lei da Vida". Confira o trecho e o vídeo logo abaixo:



A Lei da Vida
A Segunda Guerra Civil, também conhecida como “Guerra de Heartland”, foi um conflito longo e sangrento devido a uma única questão.
Para acabar com a guerra, uma série de emendas constitucionais conhecida como “A Lei da Vida” foi passada.
Ela satisfez tanto o exército Pró-Vida como o Pró-Escolha.
A Lei da Vida declara que a vida humana não pode ser tocada desde o momento da concepção até que a criança chegue à idade de treze anos.
No entanto, entre os treze e os dezoito, a mãe ou o pai pode escolher “abortar” retroativamente uma criança...
... com a condição de que a vida da criança não tenha fim “tecnicamente”.
O processo pelo qual uma criança é ao mesmo tempo eliminada e mantida viva é chamado de “fragmentação”.
Agora, a fragmentação é uma prática comum e aceita pela sociedade.

Capítulo 01. Connor

 — Há lugares aonde você pode ir — Ariana diz a ele —, e um cara esperto como você tem uma boa chance de sobreviver até os dezoito. 
Connor não tem tanta certeza, mas olhar para os olhos de Ariana afasta as dúvidas, mesmo que só por um momento. Os olhos dela estão com um tom violeta doce raiado de cinza. Ela é completamente escrava da moda — sempre comprando a mais nova injeção de pigmento no segundo em que entra em voga. Connor nunca ligou para essas coisas. Sempre manteve os olhos da cor que vieram. Castanhos. Nunca fez nem mesmo uma tatuagem, como as que tantas crianças fazem hoje quando são pequenas. A única cor na pele dele é o bronzeado que ganha no verão, mas agora, em novembro, esse bronzeado já desbotou há muito tempo. Ele tenta não pensar no fato de que nunca voltará a ver o verão. Pelo menos, não como Connor Lassiter. Ainda não consegue acreditar que sua vida vai ser roubada agora, aos dezesseis anos. 
— A gente devia fugir — diz Ariana. — Também estou de saco cheio de tudo. Da minha família, da escola, tudo. Eu poderia desertar e nunca olhar pra trás. 
Connor pensa um pouco nisso. A ideia de desertar sozinho o aterroriza. Ele podia bancar o valente, podia agir como o fodão na escola — mas fugir sozinho? Ele nem sabe se tem coragem. Se Ariana vier, aí é outra história. Aí ele não estará sozinho. 
— Tá falando sério? 
A garota o encara com aqueles olhos mágicos. 
— Claro. Claro que tô. Eu poderia ir embora. Se você me pedisse. 
Connor sabe que isso é coisa séria. Fugir com um fragmentário — isso, sim, é compromisso. O fato de que ela faria isso o comove mais do que é capaz de dizer. Ele a beija e, apesar de tudo o que está acontecendo em sua vida, Connor de repente acha que é o cara mais sortudo do mundo. Ele a abraça — talvez um pouco forte demais, porque ela começa a se contorcer. Isso só o faz querer segurá-la ainda mais apertado, mas ele luta contra o impulso e a solta. Ela sorri. 
— Desertar... — diz ela. — O que isso quer dizer, afinal? 
— É algum termo militar ou coisa assim — responde Connor. — Significa “se ausentar sem permissão”. 
Ariana pensa nisso e volta a sorrir.
— Hmm. Está mais pra “viver sem sermões”. 
Connor segura a mão dela, esforçando-se para não apertá-la demais. Ela disse que o acompanharia se ele pedisse. Só agora ele percebe que na verdade ainda não pediu. 
— Você vem comigo, Ariana? 
A garota sorri e faz que sim com a cabeça. 
— Claro — diz ela. — Claro que vou. 
Os pais de Ariana não gostam de Connor. 
— Nós sempre soubemos que ele seria fragmentado — ele consegue ouvi-los dizer. — É melhor você ficar longe desse moleque Lassiter. — Ele nunca foi “Connor” para eles. Sempre foi “o moleque Lassiter”. Acham que, só porque o garoto já passou por várias instituições disciplinares, eles têm o direito de julgá-lo. 
Ainda assim, quando a acompanha até em casa esta tarde, ele para longe da porta, escondido atrás de uma árvore, enquanto ela entra. Antes de ir para casa, ele pensa que ficar escondido vai ser parte do estilo de vida deles de agora em diante. 
Casa. 
Connor se pergunta como é que pode chamar o lugar onde vive de “casa”, já que está prestes a ser expulso — não só do lugar onde dorme, mas dos corações daqueles que deveriam amá-lo. O pai está sentado na poltrona, vendo o noticiário, quando Connor entra. 
— Oi, pai. 
O homem aponta para alguma tragédia qualquer na TV. 
— Batedores de novo. 
— O que eles fizeram desta vez? 
— Explodiram uma loja no shopping North Akron. 
— Hmm — responde Connor. — Pensei que eles tivessem bom gosto. 
— Não acho isso engraçado. 
Os pais de Connor não sabem que ele já sabe que vai ser fragmentado. Não era para ele ter descoberto, mas Connor sempre foi bom em desencavar segredos. Três semanas atrás, enquanto procurava um grampeador no escritó- rio do pai em casa, ele encontrou passagens aéreas para as Bahamas. Eles iam tirar férias em família no feriado do Dia de Ação de Graças. Só tinha um problema: havia apenas três passagens. Para a mãe, o pai e o irmão mais novo. Nada para ele. Primeiro, imaginou que sua passagem devia estar em outro lugar, mas, quanto mais pensava nisso, mais parecia errado. Então, Connor foi procurando por todo lado quando seus pais saíram de casa e descobriu uma coisa. A ordem de fragmentação. Havia sido assinada à moda antiga, em triplicata. A cópia branca já era — fora entregue às autoridades. A cópia amarela acompanharia Connor até o fim, e a cor-de-rosa ficaria com seus pais, como evidência do que eles haviam feito. Talvez eles a colocassem em uma moldura e a pendurassem ao lado do retrato da formatura dele no primeiro grau. 
A data da ordem era um dia antes da viagem às Bahamas. Ele ia ser fragmentado e eles iam sair de férias para se sentirem melhor com a situação. A injustiça de tudo isso fizera Connor querer quebrar alguma coisa. Tivera vontade de quebrar um monte de coisas — mas não o fizera. Pela primeira vez ele havia controlado o pavio curto e, tirando algumas brigas na escola, que não foram culpa sua, manteve as emoções escondidas. Guardou para si o que sabia. Todo mundo sabia que uma ordem de fragmentação era irreversí- vel, então gritar e brigar não mudaria nada. Além do mais, ele se sentia meio poderoso por saber o segredo dos pais. Agora, os golpes que podia dar neles surtiam muito mais efeito. Como no dia em que ele trouxe flores para a mãe e ela chorou por horas. Como o B+ que ele trouxe para casa numa prova de ciências. A melhor nota que já havia tirado nessa matéria. Entregou a prova ao pai, que olhou para ela, empalidecendo. 
— Tá vendo, pai? Minhas notas estão melhorando. Talvez no final do semestre eu consiga até tirar um A. 
Uma hora depois, o pai estava sentado na poltrona, ainda segurando a prova na mão e olhando inexpressivo para a parede. 
O objetivo de Connor era simples: fazê-los sofrer. Fazer com que soubessem pelo resto da vida o erro terrível que haviam cometido. 
Mas não havia doçura nessa vingança, e agora, depois de três semanas esfregando tudo isso na cara dos pais, ele não se sente nada melhor. Apesar do que pensa, está começando a se sentir mal por eles, e odeia sentir-se assim. 
— Perdi o jantar? 
O pai não desvia o olhar da TV. 
— Sua mãe deixou um prato pra você. 
Connor sai em direção à cozinha, mas, no meio do caminho, escuta: 
— Connor? 
Ele se vira para ver o pai olhando-o. Não apenas olhando, mas encarando. Ele vai me contar agora, pensa Connor. Vai me contar que vão me entregar pra fragmentação e depois vai se acabar de chorar, repetindo de novo e de novo que lamenta muito, muito, muito tudo isso. Se ele fizer isso, Connor pode até aceitar o pedido de desculpas. Pode até mesmo perdoá-lo e depois dizer a ele que não pretende estar aqui quando os Juvis, a polícia juvenil, vierem para pegá-lo. Mas, no fim, o que o pai diz é: 
— Você trancou a porta quando entrou? 
— Vou fazer isso agora. 
Connor tranca a porta e depois vai para o quarto. Não tem mais vontade de comer o que quer que a mãe tenha guardado para ele. 
*** 
Às duas da manhã, Connor se veste de preto e enche uma mochila com as coisas que realmente importam para ele. Ainda há espaço para três mudas de roupa. Ele acha incrível, quando para e pensa nisso, como são poucas as coisas que valem a pena levar. Memórias, principalmente. Lembranças de uma época antes de as coisas darem tão errado entre ele e seus pais. Entre ele e o resto do mundo. 
Connor espia o irmão, pensa em acordá-lo e dizer adeus, depois decide que não é uma boa ideia. Silenciosamente, ele se esgueira para fora, para a noite. Não pode levar a bicicleta, pois instalou um mecanismo de rastreio antirroubo. Nunca imaginou que ele mesmo a roubaria. Mas Ariana tem bicicletas para os dois. 
A casa dela fica a vinte minutos de caminhada, se usar a rota convencional. Os bairros suburbanos de Ohio nunca têm ruas que sigam em linha reta, então, em vez disso, ele toma o caminho mais direto, por dentro do bosque, e chega em dez minutos. 
As luzes na casa de Ariana estão apagadas. Ele já esperava por isso. Teria sido suspeito se ela tivesse passado a noite toda acordada. É melhor fingir que está dormindo, para não causar nenhuma desconfiança. Ele se mantém distante da casa. O quintal e a varanda da frente estão equipados com luzes com sensores de movimento que se acendem se qualquer coisa se aproximar. Estão ali para afugentar animais selvagens e criminosos. Os pais de Ariana estão convencidos de que Connor é as duas coisas. 
Ele saca o telefone e tecla o número conhecido. De onde está, nas sombras no canto do quintal dos fundos, consegue ouvi-lo tocar no quarto dela, no andar de cima. Connor desliga rapidamente e se afasta ainda mais nas sombras, temendo que os pais de Ariana estejam espiando pelas janelas. No que ela está pensando? O combinado era que Ariana deixasse o telefone só no modo vibratório. 
Ele se movimenta em um arco amplo ao redor do fundo do quintal, largo o bastante para não acionar as luzes, e, embora uma lâmpada se acenda quando ele pisa na varanda da frente, só o quarto de Ariana fica virado para esse lado. Ela surge na porta pouco depois, abrindo-a em um vão que não é suficiente nem para ela sair, nem para ele entrar. 
— Oi, você está pronta? — pergunta Connor. Claramente, não está; ela usa um robe por cima do pijama de cetim. — Você não esqueceu, né? 
— Não, não, não esqueci... 
— Então, vai logo! Quanto mais cedo a gente sair daqui, mais vantagem vai ter antes que alguém perceba que a gente foi embora. 
— Connor — diz ela —, é o seguinte... 
E a verdade está bem ali, na voz dela, na forma como é difícil para ela até mesmo pronunciar o nome dele, o tremor de um pedido de desculpas pairando como um eco. Ariana não precisa dizer mais nada depois disso, pois ele sabe, mas deixa que ela fale mesmo assim. Ele vê como é difícil para ela e quer que seja difícil mesmo. Ele quer que seja a coisa mais difícil que ela já fez na vida. 
— Connor, eu quero mesmo ir, de verdade... mas é que o momento é muito ruim pra mim. Minha irmã vai se casar, e você sabe que ela me escolheu como dama de honra. E tem a escola. 
— Você odeia a escola. Disse que ia largar quando fizesse dezesseis. 
— Eu disse que estava pensando nisso — retruca ela. — Tem diferença.
— Então, você não vem? 
— Eu quero, quero muito, muito... mas não posso. 
— Então, tudo o que a gente conversou hoje foi só uma mentira. 
— Não — responde Ariana. — Foi um sonho. A realidade atrapalhou tudo, só isso. E fugir não resolve nada. 
— Fugir é o único jeito de salvar a minha vida — sibila Connor. — Eu estou prestes a ir pra fragmentação, caso você tenha esquecido. 
Ariana toca delicadamente o rosto dele. 
— Eu sei — diz ela. — Mas eu, não. 
Então, uma luz se acende no topo da escada e Ariana, em um ato reflexo, fecha alguns centímetros da porta. 
— Ari? — Connor escuta a mãe dela chamar. — O que foi? O que você está fazendo aí na porta? 
Connor recua, saindo das vistas, e Ariana se vira para olhar para a escada.
 — Nada, mãe. Pensei que tinha visto um coiote pela janela e só queria ter certeza de que os gatos não estavam aqui fora. 
— Os gatos estão no andar de cima, meu bem. Feche a porta e volte pra cama. 
— Então, agora eu sou um coiote — diz Connor. 
— Psiu! — responde Ariana, fechando a porta até sobrar apenas uma fenda minúscula. Tudo o que ele pode ver agora é o canto do rosto dela e um único olho violeta. — Você vai escapar, eu sei que sim. Me ligue quando estiver em um lugar seguro. — Então ela fecha a porta. 
Connor fica ali parado por um longo tempo, até o sensor de movimento das luzes se desativar. Ficar sozinho não fazia parte de seus planos, mas ele percebe que já deveria ter entendido. Desde o momento em que seus pais assinaram aqueles papéis, Connor estava sozinho. 
Ele não pode pegar um trem. Nem um ônibus. Claro, ele tem bastante dinheiro, mas nenhum transporte sai até de manhã, e a essa hora já estarão procurando por ele em todos os lugares óbvios. “Fragmentários” em fuga são tão comuns hoje em dia que há equipes inteiras da polícia juvenil dedicadas a encontrá-los. As autoridades transformaram a coisa em uma arte. 
Ele sabe que seria capaz de desaparecer em uma cidade, pois há tantos rostos que você nunca vê um deles duas vezes. Sabe que também pode desaparecer na zona rural, onde as pessoas são tão raras e distantes umas das outras; poderia se abrigar em um celeiro velho, onde ninguém nem pensaria em procurar. Mas então Connor percebe que a polícia provavelmente já pensou nisso. Provavelmente já transformaram cada celeiro velho em uma ratoeira, pronta para pegar garotos como ele. Ou talvez ele esteja sendo paranoico. Não, Connor sabe que a situação realmente exige cuidado — não só esta noite, mas pelos próximos dois anos. Então, depois que ele fizer dezoito, estará livre. Depois disso, claro, podem jogá-lo na prisão, podem levá-lo a julgamento — mas não podem fragmentá-lo. Sobreviver até lá é que será complicado. 
Junto da rodovia interestadual há um posto de parada onde os caminhoneiros passam a noite. É para lá que Connor vai. Ele acha que pode se esconder na traseira de um desses caminhões de dezoito rodas, mas logo descobre que os caminhoneiros mantêm a carga trancada. Ele se xinga por não ter previsto esse problema. Planejar com antecedência nunca foi um dos pontos fortes de Connor. Se fosse, talvez ele não tivesse se metido nos vários aborrecimentos que causou a si mesmo nos últimos anos. Situações que lhe renderam rótulos como “problemático” e “arriscado” e, finalmente, o último rótulo: “fragmentário”. 
Há cerca de vinte caminhões estacionados e uma lanchonete intensamente iluminada onde meia dúzia de caminhoneiros come. São 3h30 da manhã. Aparentemente, caminhoneiros têm seus próprios relógios bioló- gicos. Connor observa e espera. Então, mais ou menos às 3h45, um carro da polícia entra silenciosamente no estacionamento dos caminhões. Luzes desligadas, sirene também. Rodeia o lugar lentamente, como um tubarão. Connor acha que consegue se esconder, até ver uma segunda viatura entrar. Há luzes demais no estacionamento para ele conseguir se esconder nas sombras, e não pode sair correndo sem ser visto à luz forte da lua. Em um segundo os faróis da polícia estarão sobre ele, então ele rola para baixo de um caminhão e reza para que os policiais não o tenham visto. 
Observa enquanto as rodas do carro-patrulha passam devagar. Do outro lado do caminhão enorme, o segundo carro passa na direção oposta. Talvez seja só uma checagem de rotina, pensa ele. Talvez não estejam procurando por mim. Quanto mais pensa nisso, mas convence a si mesmo de que é este o caso. Não há como saberem que ele já foi. Seu pai dorme feito pedra e sua mãe nunca verifica como Connor está à noite, não mais. 
Ainda assim, o carro de polícia o rodeia. 
Do ponto onde está, sob o caminhão, Connor vê a porta do motorista de outro veículo aberta. Não. Não é a porta do motorista, é a porta do compartimento atrás da cabine. Um caminhoneiro emerge dela, se espreguiça e segue para os banheiros do posto de parada, deixando a porta entreaberta. 
Em uma fração de segundo, Connor toma uma decisão e se joga para fora do esconderijo, correndo pelo estacionamento até aquele caminhão. Os pés espalham pedregulhos soltos pelo chão enquanto ele corre. Não sabe mais onde está o carro dos policiais, mas não importa. Ele se comprometeu a fazer isso e tem que ir até o fim. Quando se aproxima da porta, vê faróis dobrando uma esquina, prestes a se virar para ele. Puxa a porta do compartimento do caminhão, se joga lá dentro e dá outro puxão para fechá-la. 
Ele se senta em uma cama muito estreita, tomando fôlego. O que vai fazer em seguida? O caminhoneiro vai voltar. Connor tem mais ou menos cinco minutos, se der sorte, e um minuto se não der. Ele espia além da cama. Há um espaço embaixo onde poderia se esconder, mas está ocupado por duas malas de lona cheias de roupas. Ele poderia empurrá-las, se espremer ali e depois colocar as malas na frente, ficando oculto. O caminhoneiro nunca saberia que ele está ali. Mas, antes mesmo que consiga afastar a primeira mala, a porta se escancara. Connor fica parado, incapaz de reagir, enquanto o caminhoneiro estica a mão para apanhar uma jaqueta e vê o garoto. 
— Opa! Quem é você? Que diabo está fazendo no meu caminhão? 
Um carro de polícia passa lentamente atrás dele. 
— Por favor — diz Connor, a voz subitamente esganiçada como era antes de mudar, na infância. — Por favor, não conte a ninguém. Eu tenho que dar o fora daqui. — Ele enfia a mão na mochila, remexendo lá dentro, e tira um bolo de dinheiro da carteira. — Você quer grana? Eu tenho grana. Te dou tudo o que tenho. 
— Não quero seu dinheiro — responde o homem. 
— O que quer, então? 
Mesmo à luz fraca, o caminhoneiro deve estar vendo o pânico nos olhos do garoto, mas não diz uma palavra. 
— Por favor — repete Connor. — Faço o que você quiser... 
O homem olha para ele em silêncio por mais um momento. 
— Ah, é? — responde, finalmente. Então, ele entra no compartimento e fecha a porta atrás dele. 
Connor fecha os olhos, sem coragem de pensar no que acabou de se meter. 
O caminhoneiro senta ao seu lado. 
— Qual é o seu nome? 
— Connor. — Ele percebe, tarde demais, que deveria ter dado um nome falso. 
O homem coça a barba por fazer e pensa por um instante. 
— Me deixa te mostrar uma coisa, Connor. — Ele se estica para além do garoto e pega, dentre todas as coisas possíveis, um jogo de baralho de uma bolsinha pendurada junto da cama. — Já viu isto? — O caminhoneiro pega o baralho em uma só mão e faz um floreio habilidoso. — Muito bom, né? 
Sem saber o que dizer, Connor apenas balança a cabeça, concordando. 
— E que tal isto? — Então, o homem pega uma única carta e, com dedos rápidos, faz com que ela desapareça no ar. Depois, estica a mão e tira a carta bem de dentro do bolso da camisa de Connor. — Gostou? 
O garoto solta uma risada nervosa. 
— Bom, sabe esses truques que você acabou de ver? — continua o caminhoneiro. — Não fui eu que fiz. 
— Eu... não entendo o que você quer dizer. 
O homem arregaça a manga para revelar que o braço que realizou os truques foi transplantado na altura do cotovelo. 
— Dez anos atrás eu peguei no sono no volante — conta ele. — Baita acidente. Perdi um braço, um rim e mais umas coisas. Mas ganhei todas novas e, no fim, fiquei bem. — Ele olha para as mãos, e agora Connor consegue ver que a mão que faz truques com cartas é um pouco diferente da outra. A outra mão tem dedos mais grossos e a pele tem um tom mais azeitonado. 
— Então — diz Connor —, você recebeu uma mão nova. 
O caminhoneiro ri disso, depois fica quieto por um momento, olhando para a mão substituta. 
— Estes dedos aqui sabiam coisas que o resto de mim não sabia. Memória muscular, é como chamam. E não se passa nem um dia sem que eu imagine que outras coisas incríveis o menino que era dono deste braço sabia, antes de ser fragmentado... quem quer que fosse ele. 
O homem fica de pé. 
— Você tem sorte de ter entrado aqui — diz ele. — Tem caminhoneiros por aí que aceitam qualquer coisa que você ofereça e depois te entregam pra polícia mesmo assim. 
— E você não é assim? 
— Não, não sou. — Ele estende a mão (a outra mão) e Connor a aperta, cumprimentando-o. — Josias Aldridge — diz ele. — Estou indo pro norte. Você pode vir comigo até de manhã. 
O alívio de Connor é tão grande que quase lhe tira o fôlego. Não consegue nem dizer obrigado. 
— Esta cama não é a coisa mais confortável do mundo — conta Aldridge —, mas dá pro gasto. Vê se descansa um pouco. Eu só preciso ir ali no banheiro e logo depois a gente pega a estrada. — Então ele fecha a porta e Connor escuta os passos que se afastam. Finalmente o garoto baixa a guarda e começa a perceber a própria exaustão. O caminhoneiro não informou um destino, só uma direção, e tudo bem. Norte, sul, leste, oeste — não importa, desde que seja longe daqui. Quanto ao que ele fará em seguida, bem, primeiro ele tem que sair dessa antes de pensar no que vem a seguir. 
Um minuto depois, Connor já está começando a cochilar quando escuta o grito lá fora: 
— Sabemos que você está aí! Saia agora e não vai se machucar! 
O coração de Connor afunda. Josias Aldridge aparentemente fez outro truque manual. Fez Connor aparecer para a polícia. Abracadabra. Com sua jornada terminada antes mesmo de começar, ele empurra a porta, abrindo-a para ver três Juvis apontando as armas. 
Mas não estão apontando para ele. 
Na verdade, estão de costas para ele. 
Do outro lado, alguém abre a porta do caminhão debaixo do qual ele se escondeu só uns minutos antes. Um menino sai de detrás do banco vazio do motorista, as mãos para cima. Connor o reconhece na mesma hora. É um menino que ele conhece da escola. Andy Jameson. 
Meu Deus, o Andy também vai pra fragmentação? 
Há medo na expressão de Andy, mas por baixo disso há algo pior. Um ar de completa derrota. É quando Connor percebe a própria tolice. Ficou tão surpreso com essa reviravolta que ainda está parado ali, simplesmente, exposto para todo mundo ver. Bem, os policiais não o viram. Mas Andy, sim. Ele percebe Connor, sustenta o olhar, apenas por um momento... 
... e nesse momento algo extraordinário acontece. 
De repente, o ar de desespero no rosto de Andy é substituído por uma firme determinação que beira o triunfo. Logo ele desvia o olhar de Connor e dá alguns passos antes de a polícia agarrá-lo — dá passos para longe de Connor, de forma que os Juvis continuem de costas para ele. 
Andy o viu e não o denunciou! Se não restar nada a Andy depois deste dia, pelo menos esta pequena vitória ele terá. 
Connor se inclina para trás nas sombras do caminhão e lentamente puxa a porta, fechando-a. Do lado de fora, enquanto a polícia leva Andy, Connor se deita e as lágrimas vêm tão de repente quanto uma tempestade de verão. Ele não tem certeza de por quem está chorando — por Andy, por si mesmo, por Ariana —, e não saber disso faz com que as lágrimas corram mais ainda. Em vez de enxugá-las, deixa que sequem no rosto, como costumava fazer quando era um garotinho e as coisas pelas quais chorava eram tão insignificantes que, de manhã, ele já as havia esquecido. 
O caminhoneiro não aparece para ver como ele está. Em vez disso, Connor escuta o motor sendo ligado e sente o caminhão em movimento. O balanço suave da estrada o embala até dormir. 
O toque do celular de Connor o desperta de um sono profundo. Ele luta contra a consciência. Quer voltar ao sonho que estava tendo. Era sobre um lugar no qual ele tinha certeza de que já estivera, embora não conseguisse lembrar exatamente quando. Estava em uma cabana de praia com seus pais, antes de o irmão nascer. A perna de Connor havia caído por causa de uma tábua apodrecida no chão da varanda, indo parar em teias de aranha tão grossas que pareciam de algodão. Ele havia gritado e gritado de dor e de medo das aranhas gigantes que, ele tinha certeza, comeriam sua perna. E, sim, esse era um bom sonho — uma boa memória —, pois o pai estava lá para puxá-lo e libertá-lo, levando-o para dentro, onde enfaixou sua perna e o colocou sentado junto ao fogo com algum tipo de cidra tão gostosa que ele ainda conseguia saborear quando pensava nela. O pai contou a ele uma história da qual ele não se lembra mais, mas tudo bem. Não era a história, mas o tom de voz que importava, uma voz grave e gentil, tão calmante quanto as ondas do mar rebentando na praia. O menininho Connor bebeu sua cidra e se recostou na mãe, fingindo cair no sono, mas o que realmente estava fazendo era tentar se dissolver no momento, fazendo-o durar para sempre. No sonho, ele se dissolvia. Todo o seu ser fluía para o copo de cidra, e os pais o colocavam cuidadosamente sobre a mesa, perto o bastante do fogo para mantê-lo aquecido para todo o sempre. 
Sonhos idiotas. Até os bons são ruins, pois fazem você lembrar como a realidade é péssima em comparação. 
O celular toca de novo, expulsando o resto do sonho. Connor quase atende. O compartimento de dormir do caminhão está tão escuro que ele não percebe, de início, que não está na própria cama. A única coisa que o salva é que não consegue encontrar o telefone e, por isso, precisa acender uma luz. Quando ele encontra uma parede onde deveria estar o criado-mudo, percebe que este não é o seu quarto. O telefone volta a tocar. É quando toda a memória retorna e ele lembra onde está. Encontra o celular na mochila. O identificador de chamadas informa que o telefonema é de seu pai. Então, agora eles sabem que Connor partiu. 
Acham mesmo que ele vai atender o telefone? Ele espera até a chamada cair no correio de voz, depois desliga o aparelho. O relógio diz que são 7h30 da manhã. Ele esfrega os olhos, afastando o sono e tentando calcular quão longe estão. O caminhão não está mais se movendo, mas eles devem ter viajado por pelo menos trezentos quilômetros enquanto ele dormia. É um bom começo. 
Há uma batida na porta. 
— Pode sair, menino. 
A carona acabou. Connor não vai reclamar — foi incrivelmente generoso esse motorista de caminhão fazer o que fez. Connor não vai pedir mais nada a ele. Abre a porta e sai para agradecer ao homem, mas não é Josias Aldridge quem está parado ali. Aldridge está a alguns metros, sendo algemado, e na frente de Connor está um policial: um Juvi com um sorriso enorme, de orelha a orelha. A uns dez metros está o pai de Connor, ainda segurando o telefone do qual acabou de ligar. 
— Acabou, filho — diz ele. 
Isso deixa Connor furioso. Não sou seu filho! Ele quer gritar. Deixei de ser seu filho quando você assinou a ordem de fragmentação! Mas o choque do momento o deixa sem voz. 
Foi tão idiota ter deixado o celular ligado — foi assim que eles o rastrearam —, e ele se pergunta quantos outros jovens foram pegos pela própria confiança cega na tecnologia. Bem, Connor não vai partir com eles numa boa, como Andy Jameson. Ele avalia rápido a situação. O caminhão foi trazido para o acostamento da interestadual por dois carros da patrulha rodoviária e uma unidade de Juvis. O tráfego segue a cento e dez quilômetros por hora, indiferente ao pequeno drama que se desenrola na curva. Connor toma uma decisão instantânea e avança, empurrando o policial contra o caminhão e correndo rumo à estrada movimentada. Será que atirariam pelas costas em um garoto desarmado? Ele se pergunta. Ou será que mirariam nas pernas dele e poupariam os órgãos vitais? Enquanto foge para a interestadual, carros desviam dele em guinadas, mas ele continua a correr. 
— Connor, pare! — ouve o pai berrar. Então, ouve um tiro. Ele sente o impacto, mas não na pele. A bala se crava na mochila. Ele não olha para trás. Então, quando alcança o canteiro central da rodovia, escuta outro disparo, e um pequeno borrão azul aparece no canteiro. Estão atirando balas tranquilizantes. Não querem matá-lo, estão tentando derrubá- -lo — e é muito mais provável que disparem tranquilizantes à vontade, em vez de balas comuns. 
Connor escala a divisória central e se vê no caminho de um Cadillac em alta velocidade. O carro dá uma guinada para evitar atropelá-lo, e por pura sorte os reflexos de Connor o tiram do caminho do Cadillac por uns poucos centímetros. O espelho retrovisor lateral o acerta dolorosamente nas costelas antes de o carro parar com um som estridente, lançando o fedor acre de borracha queimada em suas narinas. Segurando o corpo dolorido, ele vê alguém olhando-o da janela aberta do banco traseiro. É outro garoto, todo vestido de branco. Está aterrorizado. 
Com a polícia já chegando à divisória central da estrada, Connor olha nos olhos do menino apavorado e sabe o que tem de fazer. É hora de mais uma decisão instantânea. Ele enfia a mão pela janela, puxa a trava e abre a porta.

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O que acharam do livro? Estou MEGA empolgada e ansiosa para receber o meu e finalmente saber mais sobre esse novo e instigante universo de "Fragmentados"
Mil beijos!

2 comentários:

  1. Omg *.* quero ler poxa so de ler isso torco q connor consiga escapar lol

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  2. não me interessei em ler esse livro nem um pouquinho. Só em ler a sinopse já vi que não vou gostar do livro, pois não curto o gênero de ficção científica / distopia. Já até tentei ler esse gênero, mas acabo, quase sempre, largando o livro. A única distopia que li e adoro é a série A Seleção.

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